Kakaô, aos três anos de idade saiu de sua
terra Natal, a capital do Rio Grande do Norte, e foi para Albânia, um pequeno
país montanhoso situado na borda ocidental da península Balcânica, no sudeste
da Europa. E lá ficou por 15 anos de sua vida, totalizando infância e
adolescência num país culturalmente antagônico em relação ao Brasil.
Aos
quatro anos de idade, ateou fogo em duas escolas diferentes, pois preferia
brincar com fogo do que com bonecos de ação (OXE, ele queria ação de verdade).
Aos 7 anos foi morar num internato, onde
ficou até seu último dia na Albânia. Kakaô sempre esteve “à frente” do seu
tempo e da sua idade.
Na
Albânia, não existem muitos limites legais para o consumo ou compra de álcool
por menores, e, por conta disso (ou não), os pequenos gafanhotos Balcânicos já
tinham a cabeça voltada para o mundo profano. Era comum menores com 13/14/15
anos comprarem carteiras de identidade falsas para entrar em festas. É
exatamente neste contexto onde Kakaô é reconhecido por um de seus talentos, aos
13 anos já monopolizava todo o ramo de IDs falsas. Aos poucos ele ficou
conhecido no meio jovem, era o negro mais popular, sim, negro, pois segundo
relatos do próprio Kakaô: “na Europa eu era mais Negro que no Brasil”.
Por
conta dessa popularidade, aos 15 anos começou a trabalhar para Jones, sujeito
que tinha uma mão de ouro, pois a original de carne humana fora perdida em um
racha com sua Ferrari, mas graças a Deus, a Ferrari não se feriu. Jones
organizava diversas baladas na Albânia e também em outros países, como
Macedônia e Grécia. Ele tinha muitos “promotores de eventos”, os quais
revendiam ingressos em escolas, faculdades e pontos fixos de venda. Era um
trampo legal e rendia uma boa grana para Kakaô, impossível de ganhar
tendo 15 anos no Brasil.
Num
período de três anos, aprendeu sobre música de uma forma autodidata, começou a
produzir música eletrônica, tocando um groove marcante, graves pesados e
identidade que fazia sua marca. Aos 18 anos, era residente do J-Club, tocava em
todos os eventos produzidos por Jones. Rapidamente, suas produções conseguiram
espaço nas rádios europeias, e o podcast de Kakaô entrou no ranking dos
podcasts mais baixados da Europa.
Tudo
começou a dar errado quando um Turco chamado Raj encontrou com Kakaô no fim da
sua aula de quinta-feira nublada. Dizia ser amigo de Jones e que a partir
daquele dia de outono, deveria entregar o dinheiro dos ingressos para Raj, e o
mesmo passaria para Jones.
Kakaô
foi enganado e extorquido, Raj não era amigo de Jones e muito menos o
representava. Decidiu então voltar a prestar suas contas diretamente para
Jones, e a caminho de seu escritório, foi surpreendido por Raj com mais três
turcos dentro de um sedan preto. Kakaô entrou forçado no carro, recebeu uma
surra dos capangas e por fim uma mensagem de amor: “VOCÊ TERÁ ESSA DIVIDA
ETERNA COMIGO, NUNCA DEIXE DE ME PAGAR, SEU CONTRATO SÓ VAI SER ENCERRADO COM
SUA CABEÇA EM UMA ESTACA”. Kakaô nunca gostou de estacas e muito menos da ideia
de ser morto ou extorquido por um Turco mafioso.
A única opção que lhe restava era voltar para o Brasil...
Voltando
para o Brasil, aos 18 anos de estórias, deparou-se com realidades que não
condiziam com aquela que ele estava acostumado, sentia falta da tal
“Frugalidade”, que é a arte de aproveitar as coisas simples de maneira simples,
por mais que seja sofisticado.
Foi morar em Cacau City, com a família de
seu Tio, a clássica classe média com traços europeus e uma cultura pseudo
Norte-americanizada da “família perfeita”.
Ele sentia que as pessoas o julgavam muito
pelo modo de vestir ou pela barba grande. Em um pais de jeitinhos e gingados
onde o seu próprio modo de ser não é aceitável? Não conseguia entender essa
lógica.
Houve um momento de surto, onde a
paciência havia transbordado. Saiu de casa e foi morar em um prédio de 7
andares e sem elevador. Lugar conhecido como TORRE 3001. Em seu apartamento,
que ficava no 7° andar, produzia música e vivia arte, lá era seu terreiro.
[A Torre 3001 era habitat de seres divergentes, universitários loucos,
literatos e personalidades imortais. Cada andar continha suas histórias e
estórias, moralidades e realidades próprias em contextos infinitos para ler e
ser.
O térreo, mofado e empoeirado com paredes de tintas gastas, onde Kakaô postava
sua bicicleta encadeada num portão enferrujado que ficava logo à esquerda da
entrada. Existia um estacionamento no andar subterrâneo, que dividia espaço com
o restaurante japonês Chan, de donos coreanos que vendiam pastel chinês e chás.
Bob, o porteiro da Torre, sempre lia algum livro da literatura nacional em sua
guarita. Certa vez, Bob lendo Quarup e ouvindo um tal Di Melo, comentou
brevemente sobre o caso dos meninos de seu bairro, que nunca tiveram mais de
uma refeição nos seus dias de vida. Os moleques foram atacados acidentalmente
por cães que saíram imunes e sem qualquer arranhão. Os cães eram de Seu
Jacinto, ficavam soltos durante a noite e madrugada fazendo a segurança do seu
frigorífico. Justificou o ocorrido, alegando ter sido furtado mais de três
vezes pelos meninos.
O
soldado Arthur e o Tenente Santos, que estavam de serviço pelas redondezas,
conseguiram impedir coisa pior de acontecer com os pobres garotos.
Contudo e Como tudo é uma questão de ajuda
mútua, tudo se resolveu da melhor forma, e o Tenente Santos voltou pra casa com
uma picanha pra ser assada no samba do domingão.
SD
Arthur, era o mais honesto de sua corporação, rapaz nascido e criado numa
quebrada mais quebrada que seus bolsos quando menino. Sua mãe, evangélica e
assídua em sua comunidade cristã, o levava e o buscava todos os dias, entre as
idas e vindas dos bicos e trampos.
Ao fim da sua aula, às 4 e pouca da tarde,
se reunia com seus colegas para bater aquele velho baba.
Rapaz muito estudioso, aos 23 anos passou
no concurso pra Soldado, e finalmente conseguiu custear o curso superior dos
seus sonhos. Justo e Perfeito, logo veio a ingressar numa sociedade, e, junto
com sua esposa, ajudava toda a paróquia.
“Como todo brasileiro tem que comer seu pão e aprender a gingar, o que resta
aos bons moços é o vício da omissão” disse Bob, o porteiro.]
O
apartamento do Albanês nordestino era repleto de quadros psicodélicos e de
banners de festivais undergrounds de música eletrônica da Europa. Com uma vista
de qualidade que dava pra enxergar a cidade toda, inclusive a casa verde da
esquina da fé, que ia até o rio que dividia a Cidade. Ideias trocadas, festas
desnorteadas e muita música boa foi criada neste cenário.
- João Paulo Hoffmann